Com a vitória no Clássico Luis Alves de Almeida (L.), 1.200
metros, areia, Gávea, a potranca Belle Fleur, criação do tradicional e inesgotável Santa Ana do Rio Grande e
propriedade da Coudelaria Jessica, assumiu a liderança da geração feminina no Rio de Janeiro.
Esta não
foi a primeira vitória de Belle Fleur. Na estréia, já havia impressionado a todos, ganhando por vários corpos e
cravando pouco mais de 66” para os 1.100 metros, também na areia, variante, em performance acima da média para um
juvenil que vai às pistas pela primeira vez.
Belle Fleur é produto da primeira geração do reprodutor
Crimson Tide, nascido em 1994 na Irlanda (por Sadler’s Wells e Sharata, por Darshaan e Shademah, por Thatch),
importado por Luis Antonio Ribeiro Pinto em 2002 e estacionado no Haras Bagé do Sul, RGS, onde faz a monta. (*)
Tendo em vista tratar–se de semental recentemente incorporado à criação brasileira, parece razoável
conhecer um pouco mais a respeito das origens, campanha e perfil funcional do pai da atual líder feminina no
Hipódromo Brasileiro.
Origens de Crimson Tide
Nascido na púrpura, filho de
Sadler’s Wells (patrimônio da criação mundial com mais de 68 ganhadores individuais de provas de Grupo I e cerca
de 200 ganhadores de provas de Grupo em todo o mundo) em mãe por Darshaan (este um consagrado avô–materno, dos
maiores do turfe contemporâneo), Crimson Tide guarda a característica de ter toda a sua linhagem materna
construída sobre a notável família “S” do elevage Aga Khan (início em Pale Ale, 1936), da qual descendem, em linha
direta: Shahrastani (por Nijinsky, ganhador do Derby de Epsom e Derby Irlandês, 1986); Shemaka (por Nishapour,
ganhadora do Prix de Diane, 1993); Shalapour (por Darshaan, terceiro no Irish Derby, 2005) e Shakapour (por
Kalamoun, G.P. de Saint Cloud, Gr.I, 1980), entre outros.
Sua mãe, Sharata, aliás, é irmã–materna
do Dual Derby Winner Shahrastani. Embora não tenha corrido, Sharata gerou na reprodução, além de Crimson Tide, a
ganhadores como: Pharatta (por Fairy King), vencedora do Prix de Sandringham (Gr.III), em Chantilly, e do
Breeders’ Cup Handicap (Gr.II), em Belmont, USA; e La Vida Loca (por Caerleon), vencedora de várias
"listed races" na Irlanda, antes de ser exportada para os EUA, onde foi terceira no San Clemente Stakes
(Gr.II), Del Mar, e no Regret Stakes (Gr.II), Churchill Downs.
A
avó–materna, Shademah (por Thatch), é mãe do já mencionado Shahrastani (não precisava provar mais nada...). E a
terceira–mãe, Shamim, produziu, entre outros, a Shakapour (G.P de Saint–Cloud, Gr.I, e segundo no Prix du Jockey
Club, Derby Francês), reprodutor na França; além de Sashna, mãe de Shemaka, líder de sua geração na França e
brilhante ganhadora do Prix de Diane, Chantilly.
Assim, sob o puro aspecto das origens, não há
dúvida de que o novo reprodutor está entre as melhores aquisições da criação brasileira em anos recentes. Não é
todo dia que se pode ter entre nós um filho de Sadler’s Wells, em mãe por Darshaan, carregando em suas veias o que
há de mais refinado no sangue materno da centenária criação Aga Khan.
Perfil
funcional
Crimson Tide debutou em 1996 aos dois anos de idade. Foi segundo na estréia (1.400
metros, grama) e na corrida seguinte ganhou o Houghton Stakes (LR), em Newmarket, também em 1.400 metros, grama,
batendo a Danetime, um dos bons representantes da geração de 1994 na Inglaterra. Após estas duas primeiras
apresentações, o “Timeform – Racehorses of 1966” (pág. 229), anotou: “potro bastante atraente, de galope fluido.”
E previu: “vai ser capaz de correr distâncias maiores; provavelmente se trata de um prospecto muito útil.” Sua
primeira cotação atingiu 95 libras–peso (aproximadamente 47,5 quilos).
O fato dele ter sido um bom
juvenil (o que parece estar se repetindo com Belle Fleur) não deve causar espécie. Seu pai, Sadler’s Wells,
terminou invicto a campanha dos dois anos e venceu o Beresford Stakes (Grupo II). Na verdade, como autêntico
descendente de Northern Dancer, Saddler’s Wells grava seus melhores produtos com extrema precocidade – leia–se um
rápido desenvolvimento muscular e, acima de tudo, vontade de vencer (cerca de um terço dos Sadler’s Wells ganhou
eventos de Grupo I aos dois anos).
Por sua vez, o avô–materno, Darshaan – embora tenha produzido
notáveis animais de distância (vide o tordilho Dalakhani, vencedor do Prix de l’Arc de Triomphe, 2004) –, também
correu e ganhou aos dois anos de idade (Criterium de Saint–Cloud, Gr.II). Morfologicamente, Darshaan era um
compacto feixe de músculos, com uma belíssima cabeça, dorso curto, e a atitude corajosa dos melhores descendentes
de sua estirpe (sequência Shirley Heights – Mill Reef – Never Bend – Nasrullah). De seus filhos famosos, o que
mais se parece com ele é o Champion Miler europeu, Mark of Esteem.
Portanto, ver um Crimson Tide
brilhar nas pistas aos dois anos de idade não constitui surpresa. Menos ainda, quando se sabe que, além de tudo,
ele traz Nearctic, Bold Reason e Thatch em seu pedigree (até a terceira geração), todos eles paradigmas de
brilliance.
Entretanto, como uma reverência aos augúrios do Timeform, Crimson Tide
foi levado a correr distâncias maiores aos três anos, em percursos entre os 1.800 e os 2.100 metros, na
Inglaterra, Alemanha e Itália, tendo vencido provas importantes de Grupo II nesses últimos dois países. Ao final
de 1997, sua cotação subiu para 118 libras–peso (cerca de 59 quilos). Mas é novamente na acurada descrição do
Timeform que se pode perceber mais claramente o perfil funcional do cavalo – bem assim a melhor forma de
explora–lo. Ao analisar a campanha de Crimson Tide em 1997, diz a publicação (pág. 240): “bom competidor; talvez
tenha os 2.000 metros como limite ideal; corre melhor quando contido para vir de trás; irrita–se quando é forçado
a estar entre os da frente.” (o itálico é nosso)
Também aqui, não há muita diferença entre os perfis
funcionais de pai e filho. Sadler’s Wells era melhor em 2.000 metros que em qualquer outro percurso. Embora na
reprodução continue gerando excepcionais ganhadores na distância clássica (vide Montjeu, Carnegie, Galileo, High
Chaparral, etc), seu treinador, o lendário Vincent O’Brien, já teve oportunidade de resumir: “Sadler’s Wells não
tinha a milha e meia; ele só correu esta distância contra a elite de seu tempo por causa de seu enorme coração.”
De fato, no Derby francês em que perdeu para Darshaan e Rainbow Quest (os três chegaram praticamente juntos) isso
pareceu muito claro aos observadores.
Em 1998, aos quatro anos, Crimson Tide prosseguiu em campanha e a
distância subiu para 2.400 metros algumas vezes. Mesmo sem tê–la inteiramente, ganhou o September Stakes (Gr.III),
em Epsom, batendo a Punishment, e foi terceiro para o excelente Annus Mirabilis no Winter Hill Stakes (Gr. III),
em Windsor. A cotação se manteve em 118 libras–peso. Mas a recomendação foi enfatizada: “continua melhor quando
contido para vir de trás...”
A esta altura, já tinha atingido a maturidade física, ventre longe do chão,
dorso longo, anca desenvolvida, calçado dos quatro locomotores, testa aberta numa mancha em forma de “T”, a
pelagem com o mesmo tom castanho do pai famoso.
Ao completar cinco anos, acidentou–se em
treinamento e não correu. Recuperado, voltou às pistas para ganhar e se colocar em várias “listed races” em
percursos da milha aos 2.000 metros, na Inglaterra. Foi assim, em Lingfield (primeiro, duas vezes, para Burgundy,
em 2.000 metros) e em Salisbury (segundo para Hopeful Light, em 2.000 metros, e terceiro para Compton Bolder, em
1.600 metros). Entretanto, já não era mais o mesmo cavalo. O acidente do começo dos cinco anos tinha–lhe custado a
forma.
Levado a leilão, em Newmarket, foi arrematado por Luis Antonio Ribeiro Pinto e embarcado para o
Brasil, onde ingressou imediatamente na reprodução.
Belle Fleur é seu primeiro produto apresentado a
correr.
Campanha
Crimson Tide freqüentou a primeira turma do turfe inglês e
do continente nos anos de 1996 a 1998, para ganhar sete corridas (dos 1.400 aos 2.400 metros) e se classificar em
outras dez.
Entre suas principais vitórias, encontram–se:
Aos 2 anos
1° no Houghton
Stakes (LR), Newmarket, Inglaterra
Aos 3 anos
1° no Grosser Preis Von Dusseldorf (Gr.II),
Dusseldorf, Alemanha
1° no Premio Ribot (Gr.II), Roma Itália
Aos 4 anos
1° no September
Stakes (Gr.II), Epsom, Inglaterra
3° no Winter Hill Stakes (Gr.III), Windsor, Inglaterra
Eis aí, de
forma resumida, o perfil do pai da líder da geração feminina na Gávea. A julgar pela excelência das origens, a
campanha nas pistas e as consistentes demonstrações de sua filha, podemos estar diante de mais um bom prospecto de
reprodutor dentre aqueles com que hoje conta a criação nacional.
(*) Crimson Tide é
propriedade de um grupo de criadores e proprietários do Rio de Janeiro, entre os quais se encontram: Luis Antonio
Ribeiro Pinto (Stud São Francisco da Serra), Haras Santa Ana do Rio Grande, Coudelaria Jéssica, Haras TNT e Haras
São José do Bom Retiro.
Obs: A potranca NN da geração 2001 de Sharata (por
Sadler’s Wells), irmã–inteira de Crimson Tide, foi arrematada em leilão de yearlings (Newmarket, outubro de
2002) pelo criador John Magnier (Coolmore Stud). O preço alcançou 2 milhões e 300 mil libras (recorde do
leilão).
por Sergio Barcellos