Páreo Corrido, por Paulo Gama [12/01/2021]
TURFE PERDE ARMANDO BASTOS. ETERNAMENTE, O ’GRAVATINHA’
O turfe brasileiro perdeu neste final de semana um dos seus fãs mais apaixonados. E, eu, sem sombra de dúvida, um dos meus melhores amigos. Armando Bastos, 85 anos, carioca da Zona Sul, morador do Leblon, casado com Dona Alice, e torcedor do Fluminense, poucos conheciam. Porém, "Gravatinha", apelido dado na década de 70, por Heitor de Lima e Silva, o "Bolonha", até os gatos do Hipódromo da Gávea sabiam de quem se trata. Gravatinha foi internado, vítima de Covid 19, no final de novembro, no Hospital Israelita. Lutou bravamente por sua vida. Tinha grande amor por ela. Mas nesta última sexta-feira, dia 8 de janeiro de 2021, foi derrotado.
Nos últimos 45 anos vivemos juntos grandes jornadas turfísticas. Tivemos o privilégio de ver Juvenal Machado da Silva ganhar cinco Grandes Prêmios Brasil, Jorge Ricardo alcançar o recorde mundial de vitórias, correrem craques como Grão de Bico, Emerald Hill, Anilité, Asola, Baronius, Boticão de Ouro, Itajara, Troyanos, Falcon Jet, Villach King, Flying Finn, Much Better, Bal A Bali, entre muitos outros. Gravata, turfista desde o final da década de 50, viu muito mais coisas do que eu. Torceu por Luiz Rigoni, o "homem do Violino", os jóqueis chilenos, Oswaldo Ulloa, Francisco Irigoyen, Juan Marchant, entre outros. Viu Ernani de Freitas e João Maciel trenarem cavalos de corrida, e teve tempo para apostar em Duraque, ganhador do GP Brasil, montado por Antônio Ricardo, com rateio astronômico.
Armando Bastos, o Gravatinha, foi uma espécie de Dom Quixote do Turfe. A exemplo do personagem de Miguel de Cervantes, ele possuía personalidade delirante, e enfrentava com sua espada Moinhos de Ventos imaginários. Na década de 70, torcedor fanático do Haras Santa Maria de Araras, ele se intitulava supervisor da coudelaria. Não era verdade. O saudoso treinador, Wilson Pereira Lavor, tinha paciência com ele. Achava que ele dava sorte com as suas maluquices e por isso o tratava com muito carinho. Gravatinha repetia até os seus últimos dias de vida, que Wilson era o melhor amigo feito por ele no turfe. Júlio Bozano também não se incomodava com aqueles delírios. Até deixava que ele fosse nas fotos das vitórias clássicas e fosse o responsável por receber as taças. Gravatinha fazia aquele ar de importante e vibrava com aquela situação. Os seus devaneios absurdos se transformavam em pura realidade insofismável.
Anos depois, o mesmo ritual, se repetiria com o Haras Estrela Energia. Gravatinha contava a história do triunfo de Glória de Campeão na Dubai World Cup, dizia que ele havia dado a ordem ao jóquei Tiago Josué Pereira de tomar a ponta e que assistiu a corrida de corpo presente. Outro delírio. Gravatinha nunca esteve nos Emirados Árabes, e muito menos deu ordem para o piloto. Assistiu o páreo no Brasil, ao meu lado, na antiga loja da Codere, nas dependências do Jockey Club Brasileiro. Gravata viveu intensamente o turfe, a maior paixão da sua vida. Participou de caravanas da Associação de Cronistas de Turfe, para assistir as principais provas do turfe nacional pelo Brasil afora. Chegava cedo no hipódromo, anotava os forfaits, e fazia sempre o Pick 7, desde o tempo em que era o Bolo dos Sete Pontos. Jogava pouco, no máximo R$ 10,00, por páreo.
Vendedor de brinquedos e de produtos de papelaria, para lá de bem-sucedido, o senhor Armando Bastos trabalhou na mesma firma por mais 50 anos, e, depois de se aposentar, seguiu no mesmo emprego até os seus últimos dias de vida. Católico praticante, Gravatinha era figura carimbada aos domingos na Igreja do Leblon, onde o padre sempre lhe pedia para ler alguns trechos bíblicos. Folclórico, maluco beleza e carismático, era chamado pelo treinador Luiz Felipe Fernandes de "Manager", uma alusão carinhosa aos seus delírios de ser supervisor consagrado de grandes coudelarias. Outro treinador, Júlio Cesar Sampaio almoçava com ele, quase todo domingo. "Às vezes ele pagava e, outras vezes eu dava a forra. Era um ser humano muito especial", afirmou, lamentando a morte. Gravata tinha acesso irrestrito a jóqueis e treinadores. Todos gostavam dele. Devido a sua simpatia, era um dos personagens mais bem informados do prado. Nenhum profissional de turfe tinha coragem de passá-lo para trás. Era considerado um cara muito especial.
Talvez a bandeira do Hipódromo da Gávea não fique a meio pau. Não sei se tamanha honraria será dada ao simplório Gravatinha. Porém, como poucos, ele amou o turfe, viveu por ele e o dignificou com sua tremenda paixão pelo esporte. Também não acredito que alguma prova especial do calendário clássico um dia venha a ter o seu nome. De uma coisa, porém, eu tenho absoluta certeza. Poucas pessoas, que um dia passaram pelos portões do prado carioca, destilaram tanto amor pela atividade. O senhor Armando Bastos pagou com a própria vida para estar na Gávea, entre todos nós. Se ouvisse a família e ficasse quieto dentro do seu confortável apartamento do Leblon, em vez de sair para a rua de forma incontrolável para estar no lugar que mais amava, estaria vivo agora. De consolo, resta a certeza que há tem uma legião de turfistas para recebe-lo, de braços abertos, lá no céu.
PURO-SANGUE MELHOR APRESENTADO
Janelle Monae, do Haras Santa Rita da Serra, aos cuidados de Luiz Esteves, deu o seu cartão de visita com triunfo em 1m14s57 para os 1.300 metros na grama. Potranca da mais absoluta exceção, a conduzida de Henderson Fernandes estava linda no galope de apresentação e vai dar muito o que falar durante sua campanha nas pistas nacionais. Esta é craque!
JOQUEDA DA SEMANA
Valdinei Gil esteve impecável no dorso de Olympic Kremlin, do Stud H&R, brilhante ganhador do Grande Prêmio José Buarque de Macedo, prova preparatória para o Grande Prêmio Estado do Rio de Janeiro, 1ª prova da tríplice-coroa. Sóbrio, confiante e lúcido, fez parecer muito fácil montar um cavalo de corrida. Para um piloto de sua categoria não há dúvida, montar é apenas mera formalidade. O mesmo comentário serve para Alex Mota, na direção de Amor Total, do Stud Eterno Amor, e treinamento de Roberto Morgado Júnior, no Clássico Bal a Bali. Nota 10 para ambos.
PERSONAGENS
Três treinadores merecem destaque na semana turfística carioca. Christiano Oliveira, pelas primeiras 700 vitórias de sua carreira. Brilhante na apresentação de Queller e Idle Ways no Grande Prêmio Roger Guedon. Luís Esteves e Leonardo José Reis pela avalanche de vitórias de ambos, que dominaram amplamente os páreos realizados no prado carioca. Bela disputa!

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