Colunista:
De Turfe um pouco..., por Mário Rozano 07/01/2012 - 16h38min
A CAMISA LISTRADA
Pedra de apregoação no extinto prado dos Moinhos de Vento
As corridas começaram tarde no Brasil este ano. Na quinta–feira, dia 5 de janeiro no Cristal foi dada a largada. Não é motivo, contudo, para contestações e comparações com o vizinho país do Rio da Prata, que como em todos os anos, promove reuniões os sete dias da semana, nos 365 dias da temporada. Mas se até por aquelas bandas, este ano começou sem carre4ras, então tudo está normal no turfe brasileiro.
O que ainda não está dentro da normalidade esperada por todos os turfistas, é a estabilidade da atividade; com as divergências de calendário, sobreposição de imagens nas transmissões online pela internet – é premente a implantação da pedra única no turfe nacional, só não vale justificar com o subterfúgio da hora: investimento –, da administração de alguns hipódromos, onde o presidencialismo paternalista e centralizador predomina envoltos em nebulosas nuvens carregadas que coloca em risco até mesmo o patrimônio material e, sobretudo imaterial tombado. Entre outras questões, que deixam as pistas encharcadas e fechadas para poucos postulantes a recompensa da vitória.
Voltando ao patrimônio imaterial, ou melhor, ao patrimônio intangível que alcança as diversas expressões culturais e as tradições de uma instituição secular – na Inglaterra desde o século XVII – como o esporte das rédeas, através das artes plásticas, literatura, cinema e outras manifestações, e que tem por finalidade preservar no presente e futuro, principalmente para as novas gerações, sua ancestralidade.
Talvez o turfe seja a única instituição mundial que reproduz pontualmente ano após ano sua ancestralidade e seu presente. No Brasil, foi o primeiro esporte com intensa inserção social, absorvendo mão de obra ociosa para uma época com poucas oportunidades, e cultural, abstraindo os aspectos econômicos que o turfe proporcionava para o Estado com a tributação sobre a arrecadação de apostas e o elevage, que hoje em dia representa significativo percentual do PIB brasileiro.
A Fundação Biblioteca Nacional; o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Rio Grande do Sul; o Museu de Arte Moderna; Serviço de Documentação da Marinha; Museu da Imagem e do Som, o Jockey Club de São Paulo, ente outras instituições, são depositárias de obras, com a temática sobre o Turfe e as corridas, e as centenas de milhares de manifestações sobre o elemento principal: o Cavalo.
Da mesma forma que o turfe tem seu lugar de honra na história da humanidade, a comunidade turfística nacional deve colocar o turfe em um patamar elevado e, interagir nos hipódromos, com as associações, com os sites que divulgam o turfe, com a participação ativa e presente nos processos eleitorais das entidades e, acompanhar de perto, os “Acontecimentos Tufísticos”, parafraseando e copiando o programa e criação e comando do “Locutor mais laureado do Turfe Brasileiro, Vergara Marques”; desde o extinto prado dos Moinhos de Vento ao Cristal, infelizmente sem mais espaço nos meios de comunicação.
Durante a 57º Feira do Livro de Porto Alegre, em outubro de 2011, na qualidade de editor e autor, recebi um exemplar de um livro de crônicas com o título, “Eu...Gênio” (Letra & Vida Editora Suliani, 1ª Edição 2011), de autoria do médico e escritor Antônio Chaves. O interessante é que o Dr. Antonio Xavier e a editora, desconheciam a minha participação ativa no turfe. Para minha surpresa, ao ler o livro para a devida resenha, deparei–me com a crônica “A Camisa Listrada”, que reproduzo, abaixo, nesta coluna.
Creio que, se torna desnecessário mais comentários, a crônica da obra literária por si só, traz uma mensagem, resta saber se esta de acordo com o conteúdo do texto e com o pensamento dos turfistas.
Mário Rozano
A camisa listrada
Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí.
MPB – Assis Valente
O turfe é um jogo onde se aposta, se ganha ou se perde fortunas, ou é um esporte, o chamado Esporte dos Reis, tal é a beleza do espetáculo, que fascinou e fascina a humanidade desde eras primordiais.
A verdade é que o turfe é uma festa.
Paris é uma festa! Todos dizem que sim. Pois o turfe em dia de Grande Prêmio também é.
Paulo comprou a camisa já pensando em usá–la no dia do Grande Prêmio Bento Gonçalves, em novembro. Isso aconteceu em mil novecentos e sessenta e um. Comprou a camisa em Vacaria e pensou: vou usá–la no Bento. Nessas ocasiões, as pessoas capricham no vestuário. Vou fazer o maior sucesso. Foi amor à primeira vista. A camisa estava na vitrine da loja quando ele a viu. Azul e branco em listras estreitas. Era linda. Entrou na loja e perguntou ao vendedor se tinha uma camisa tamanho trinta e oito, igual àquela que estava no canto da vitrine. O vendedor lhe respondeu que, casualmente, azul e branco listrada só tinha aquela na loja, mas o tamanho era trinta e oito. Experimentou, e a camisa ficou certinha. Quarenta e cinco paus. Mandou embrulhar.
Isso foi quatro meses antes do Bento. Pois ele não a usou antes do Grande Prêmio. Estava reservada para aquela festa.
No domingo do Bento, aí sim, tomou banho pela manhã, passou perfume, colocou a camisa listrada e foi almoçar no restaurante do bairro, onde faziam as refeições os estudantes e as pessoas de renda limitada. Muito conhecido entre os presentes, foi recebido com palmas pelo restaurante lotado. Um sucesso a camisa.
– Senta aqui conosco que eu quero saber onde é que você comprou essa camisa tão chique – disse Teresa. – Em Vacaria – respondeu Paulo, aceitando o convite para sentar com eles, pois os lugares vagos no restaurante estavam escassos. – Que número é a camisa? – Trinta e oito – respondeu Paulo. – Na mosca! É o número do meu marido. Não é mesmo, Orfeu? – dirigindo–se ao marido, sentado a seu lado. – É, Teresa. – Queres me vender essa camisa, Paulo? Vai ficar linda no Orfeu. – E com que camisa eu vou ao Bento, hoje à tarde, Teresa? – respondeu Paulo, com a intimidade de velhos companheiros de carteio. – Veste outra. Dou cinquenta mangos pela camisa. É só aceitar a proposta, tirar a camisa e receber o dinheiro – insistiu a mulher. Não é mesmo, Orfeu?
Orfeu, que era dominado pela mulher, em nada contrariava Teresa, que, a essa altura dos acontecimentos, era o centro das atenções de toda a sala. Já havia até torcida organizada, uns gritando “tira”, outros “vende”. E Paulo, que era o dono da camisa, estava com o dinheiro contado para a passagem de ida e volta até o Hipódromo do Cristal e mais cinco cruzeiros, moeda vigente na época, que iria apostar no placê de algum azarão, para não ficar sem apostar.
– Duzentos pilas e eu tiro a camisa aqui mesmo! – Tá louco – manifestou–se Orfeu. – Cento e cinquenta – propôs Teresa. – Esta mulher, quando quer uma coisa, parece que fica cega – observou Orfeu. – Duzentos e fechamos negócio, tiro a camisa aqui mesmo. – Pois pode tirar. Fechado! Orfeu, me dá cem mangos que eu só tenho cem.
E foi o que aconteceu. Paulo tirou a camisa em pleno restaurante, sob aplausos dos demais comensais, comeu um pastel, recebeu o dinheiro e foi até a casa vestir uma camisa usada. Caminhando pela rua, até vencer as quatro quadras que separavam a pensão onde morava do restaurante, chamava a atenção dos transeuntes aquele rapaz só de calças, sem camisa. Afinal, não estava tão quente para andar daquele jeito. No bolso, Paulo já tinha dinheiro suficiente para fazer suas apostas no Bento Gonçalves.
– E se perdesse tudo? – indagou–se.
Ficaria sem o dinheiro e sem a camisa. Tinha comprado por quarenta e cinco e vendido por duzentos, somente devido ao capricho daquela mulher. Em casa, vestiu uma camisa bem conhecida dos amigos e se tocou para o hipódromo. Lá chegou cauteloso. Nada de apostar antes do Bento. Não resistiu. Ficou sem jogar no primeiro, segundo e terceiro páreo; no quarto, jogou cincão no placê de Mairá, número um. Ela venceu e o placê rateou treze por um, mas o vencedor rateou trinta e quatro por um.
Ficou arrependido por ter faltado coragem para apostar em vencedor. Tinha que ser mais arrojado – pensou. Deixou, porém, para apostar no Grande Prêmio, pois havia estudado bem o campo da prova.
E chegou a sétima prova. Grande Prêmio Bento Gonçalves na distância de três mil metros. Estudou novamente o páreo e não tinha dúvidas. Se a distância do páreo fosse dois mil e quatrocentos metros, a vitória seria de Lord Chanel ou do potro El Vencedor, mas o páreo era em três mil metros, isso favorecia os outros concorrentes, principalmente Argonaço, número dez. Foi ao guichê de apostas com os duzentos cruzeiros na mão para jogar tudo no Argonaço. Na sua vez na fila, separou cem e apostou somente cinquenta em vencedor e cinquenta no placê. Saiu dali, deu uma volta, e pensou: ou calça de veludo ou bunda de fora. Voltou para a fila. Apostou os outros cem.
As apostas fecharam com amplo favoritismo de Lord Chanel, o tordilho, e El Vencedor, o potro de três anos, grande promessa do turfe gaúcho. Dada a partida. El Vencedor, na grande curva, já estava fora da carreira. Mancou. A corrida ficava, então, mais fácil para o tordilho. E este galopava com facilidade até a entrada da reta final, quando Argonaço, por fora, encostou nele. Dois grandes jóqueis, Mário Rossano, por dentro, pilotando Lord Chanel, e Oraci Cardoso, por fora, no dorso de Argonaço, vieram colados, lado a lado, cabeça com cabeça, a reta toda, com diferença mínima, no disco, a favor de Lord Chanel. Mal cruzou o vencedor e já soava o sino de reclamação. E aconteceu a desclassificação de Lord Chanel por ter causado prejuízos a Argonaço na reta final, sendo este declarado vencedor do Grande Prêmio Bento Gonçalves, rateando cento e trinta e seis por um na ponta e vinte e dois por um no placê, e o sortudo do Paulo faturou um Bento por desclassificação do adversário.
Convidou os amigos para jantar no Treviso. Pagou a parte dele e cada um dos convidados pagou a sua. Viveu dois meses como estudante rico em Porto Alegre.
Relembrando essa façanha, ele teve a coragem de me dizer que, se não estivesse duro naquele domingo, não havia dinheiro no mundo que lhe tirasse aquela camisa. Quando a experimentou na loja, em Vacaria, ele mostrou para uma garota, que também fazia compras, e pediu sua opinião. Linda – ela disse. Essa garota chamava–se... Vera.
Dr. Antonio Xavier Vacaria/RS
[ Escolher outro colunista ]
|