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Colunista:

De Turfe um pouco..., por Mário Rozano
20/09/2011 - 09h11min

O nome desta coluna é uma homenagem ao autor do livro De turfe um Pouco, do jornalista Benito José Beirutti, editado em 1988, sob os auspícios do Bar, ou melhor, do Restaurante Porto Velho – por estas coisas da vida, o local era a antiga sede da Protectora do Turf, atual Jockey Club do Rio Grande do Sul, onde a jogatina predominava. Hoje, o prédio, que foi vizinho do Clube dos Caçadores nos anos 20, é um estacionamento, porém, contém ainda entre os carros... de turfe um pouco... Benito era um cliente contumaz do bar, do café da manhã ao jantar, e com ele um grupo de fiéis amigos que conquistara pelo imenso patrimônio pessoal, de personalidade forte, companhia simpática, com o humor que sempre  despontava em qualquer discussão, sobre os mais variados assuntos. Benito possuía inteligência e ironia refinada e textos bem articulados, e sobretudo, um turfista apaixonado. Herdou o gosto pelos cavalos e o talento de escrever sobre turfe de seu pai, Heitor Brasil Beirutti.

Colunista do Correio do Povo e diretor da revista A Semana Esportiva nos anos 40, Heitor Brasil conduzia o filho para o melhor lugar no partidor, para buscar a vanguarda tão logo levantasse a fita. As 19 anos, Benito assinou no Diário de Notícias resenhas e crônicas das corridas no pradinho do Moinhos de Vento.  Não tardou e ingressou no Correio, para criar a coluna Photo Chart, logo virou leitura obrigatória na página de turfe, com um toque especial nas matérias, e de turfe um pouco...

Visionário, revolucionou a imprensa especializada em 1958 com a criação da revista Turfe de Bolso. Começando pelo formato da publicação que lhe originou o nome. Apesar do descrédito inicial, virou sucesso de marketing, circulou por vários e vários, com Benito e seu irmão René, em suas rédeas.

Na semana passada recebi uma história, com H maiúsculo, do meu amigo Davi Castiel Menda –  matemático, jornalista e  turfista do passado, de intensa atuação na mídia burrera, desde a Rádio Metrópole a famosa equipe da Rádio Itaí  "No Turfe de Ponta a Ponta",  comandada pelo  Vergara –, com o Jorge Rolla, o Foguinho II de protagonista. Seu Rolla era uma  personalidade marcante da cidade. Imediatamente me veio a nostalgia, que  entrou na raia e na manta... de turfe um pouco...
Aí vai o relato narrado como uma carreira pelo Davi, que é da mesma turma do Benito Beirutti,, do Mário Joaquim Rossano, do Jorge Rolla, e para completar o placar premiado, de todos os turfistas e jogadores apaixonados: Aposto no fim do mundo!

Das pessoas que conheci em minha vida, uma das mais exuberantes chamava–se Jorge Rolla. Sempre elegantemente vestido, deixava seus interlocutores em êxtase ao comentar fatos passados, principalmente pelas suas fantásticas e extraordinárias histórias, geralmente versando sobre apostas.

O seu Rolla – como era mais conhecido – apostava qualquer coisa, qualquer coisa mesmo: resultado de eleições, futebol, corrida de cavalos, previsão do tempo, par ou ímpar nas placas de automóvel, etc. Imagine, hipoteticamente, esta situação invulgar: alguém tinha palpite que o Íbis (auto–considerado o pior time de futebol do Brasil) venceria o Barcelona, numa hipotética partida entre os dois, por 16x0 – era só procurar pelo seu Rolla. Ele arbitrava a cotação, tal qual a bolsa de apostas londrina, e respondia na hora: pago 40.000 por 1 – ou seja, se o Íbis ganhasse do Real Madrid exatamente de 16x0, o apostador receberia R$ 40.000,00; caso contrário o seu Rolla ganharia R$ 1,00. Resumindo, pura diversão para o apostador – mesmo considerando–se a relação custo/benefício – mas para o seu Rolla a aposta era encarada com a maior seriedade.

É claro que apostas esdrúxulas semelhantes a essa eram invariavelmente ganhas por ele, mas um dia a casa caiu, através de uma aposta inteligente, que merece ser escrita e contada, antes que se perca no tempo. O seu Rolla foi procurado por um comerciante, homem de muitas posses, que lhe propôs esta singular proposição: ele afirmava que o sol continuaria a nascer diariamente, durante os próximos 365 dias. À primeira vista, uma obviedade; nas entrelinhas, o proponente jogava a responsabilidade ao seu Rolla de apostar no fim do mundo. Entretanto, considerando–se que à época, me parece que em 1961, assistíamos com preocupação aos lances da guerra–fria entre Estados Unidos e Rússia, não seria um evento tão inesperado como poderia parecer.

 Mas afinal, qual a cotação para o caso do não nascimento do sol e conseqüentemente a ocorrência do fim do mundo? Esta a indagação que deixou a todos curiosos. Fiel ao lema de não recusar uma aposta e com sua honra de apostador em xeque, o seu Rolla pediu prazo de um dia para dar a resposta, e comentam que até fórmulas e livros de Laplace – um dos pioneiros em cálculo de probabilidades –, foram consultados. Conforme combinado, no dia seguinte, com um público recorde em volta, quase todos sócios do tradicional Clube do Comércio, informou a cotação: “considerando os hábitos regulares do sol no passado, a chance dele não nascer é de uma para 2.103.495”. Isto significava que, se o sol não nascesse, em qualquer dia do próximo ano, ele receberia do apostador R$ 2.103.495,00 – caso contrário teria que desembolsar durante um ano, R$ 1,00 diariamente. O sujeito topou e um aperto de mão selou a aposta.

Passado aquele momento natural de perplexidade em que todos falam com todos ao mesmo tempo, os amigos mais chegados se questionavam: o autor da aposta gerara um paradoxo, uma verdadeira armadilha em que somente ele se beneficiaria. Se o sol continuasse nascendo diariamente, o que era infinitamente o mais provável, ele, o apostador, receberia um total de R$ 365,00. Caso o fim do mundo se tornasse uma realidade, ou seja, o sol parasse de nascer, o apostador, teoricamente, teria que pagar mais de dois milhões, que o seu Rolla nunca chegaria a receber. Qual a vantagem em aceitar uma aposta dessas?

Saboreiem a genial resposta do seu Rolla:

– Em primeiro lugar, se eu recusasse esta aposta, aquilo pelo qual eu lutei durante toda a vida, a seriedade, a palavra, cairia por terra e eu nunca mais poderia pensar em apostar, sequer grãos de feijão. Em segundo lugar, espero pagar com a maior satisfação R$ 1,00 diariamente, sinal de que todos nós conseguimos ultrapassar a barreira de mais um dia, vivos.

Continuou seu Rolla,

– Mas, se o impensável acontecer, e o sol não nascer, tenho a mais absoluta certeza de que, pelo menos no último milionésimo de segundo antes do fim, eu ainda terei tempo para pensar, e por que não, vibrar: ganhei dois milhões!

Posfácio:

Jorge Rolla era chamado pelos mais íntimos por Foguinho, mesmo apelido do Irmão, o não menos famoso Osvaldo Rolla, treinador do Grêmio e Cruzeiro e mais tarde cronista desportivo. Jorge Rolla foi um turfista apaixonado re dos grandes ganhadores da Loteria Esportiva nas décadas de 70 e 80, sendo inclusive objeto de reportagem da revista Veja por esse motivo. Faleceu em oito de julho de 2004 e foi um dos meus maiores amigos. Essa crônica é em sua homenagem. Davi Castiel Menda.

O Jorge Rolla era grade amigo de meu pai o ex–jóquei Mário Joaquim Rossano, habitual frequentador de nossa residência, era também proprietário do cavalo Luigi, que ilustra esta coluna, uma homenagem ao Foguinho e ao Benito.



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