Colunista:
Turfe – Sobre Jóqueis, Percursos e Fadiga Aguda, por Sergio Barcellos 06/07/2011 - 12h09min
Um cavalo de corrida bem treinado consegue alcançar velocidades em torno de 18 metros por segundo e usa suas reservas naturais de energia para percorrer os primeiros 400 metros de qualquer percurso. Até aí, nada de novo.
A partir dos 400 metros, porém, os pulmões aumentam progressivamente a transferência de oxigênio para o sangue de forma a dissipar o ácido láctico acumulado nas fibras musculares, e a temperatura corporal sobe (energia gera calor). É o chamado processo aeróbico, tão mais efetivo quanto seja o desenvolvimento da capacidade pulmonar do indivíduo e a perfeição de seu aparelho cardíaco. Nesse instante, com o coração batendo mais de 130 vezes por minuto, dois magníficos foles bombeando oxigênio, e o sistema capilar dissipando calor, o cavalo de corrida se transforma na melhor máquina aeróbica do mundo animal.
Tudo, entretanto, se complica quando a quantidade de oxigênio não é mais capaz de lidar com o derrame de ácido e o sistema ameaça entrar em colapso. Geralmente, é isso que ocorre nos metros finais de uma disputa.
Para aumentar a velocidade do esforço final, o que significa percorrer os últimos 200 metros em torno de 12” e “chegar correndo”, um cavalo superiormente treinado lança mão de suas reservas de glicogênio – fato que equivale a mudar o processo, de aeróbico para anaeróbico (etimologicamente, sem oxigênio). Se ele não é capaz de realizar a troca, noutras palavras, se não existe estoque adequado de glicogênio, a conseqüência é ter que escolher entre diminuir o ritmo, ou entrar em fadiga aguda com os riscos daí decorrentes, dos quais o pior é a síncope cardíaca (coração também é músculo).
Em termos gerais, é assim que funciona a “partitura da fadiga” no puro sangue: 400 metros iniciais usando reservas naturais de energia – derrame progressivo de ácido láctico – aerobismo – ampliação do derrame – fase anaeróbica, via glicogênio. Federico Tesio tinha um outro nome para essa seqüência: chamava–a de “Lei do Cansaço Progressivo” (vide “Il Purosangue, Animale da Esperimento”, Editora Hoepli, Milão, 1978).
Do ponto de vista teórico, o treinamento ideal de um cavalo é o que consegue fazer com que ele atinja o ápice da forma física no instante da prova, sem que disso resulte uma baixa anormal de seu estoque de glicogênio resultante da intensidade dos exercícios de raia, trabalhos e “aprontos” preparatórios.
Para quem se interessa pelo assunto, glicogênio (acumulado basicamente no fígado) é a molécula responsável pelas fontes secundárias de energia, que pode rapidamente ser mobilizada pelas fibras musculares para complementar os eventuais débitos de glicose resultantes de situações extremas. E “situações extremas”, é o que invariavelmente ocorre nos momentos finais de um páreo, principalmente em percursos acima dos 2.000 metros.
Assim, animais que entram em corrida com baixo estoque de glicogênio, raramente “chegam correndo”, já que dependem exclusivamente de seu sistema aeróbico para produzir o melhor de que são capazes. Para esses, a fadiga aguda – cujo primeiro aviso é a apnéia, e cujo reflexo visível é levantar a cabeça – sempre acontece antes do disco.
Estas considerações preliminares ajudam a explicar o porquê da existência de uma correlação direta entre a velocidade média de cada percurso e a melhor forma de abordá–lo. Melhor ainda, indicam que quanto maior é a capacidade do jóquei em perceber o ritmo da disputa (ou “trem de corrida”, no jargão do turfe), menor é o perigo de sobrecarregar o sistema aeróbico do animal, e, no caso, antecipar seu colapso.
Há formas de preservar e manter estoques razoáveis de glicogênio ao longo do processo de treinamento. Mas isso é assunto para outro momento e outra ocasião.
O que importa saber para efeito desses comentários, é que centenas e centenas de corridas são perdidas todas as semanas nos hipódromo do mundo pelo desrespeito (ou desconhecimento) dessa que é uma regra básica da equitação em alta velocidade.
Percursos e jóqueis
John Hislop, criador do notável Brigadier Gerard, dos maiores milheiros da história do turfe inglês, foi um excelente jóquei amador em seu tempo e escreveu um livro sobre a arte de conduzir cavalos de corrida que ainda hoje é considerada a bíblia dessa profissão (vide “From Start to Finish”, J.A.Allen, Londres, 1958).
Em seu capítulo X, pág. 101, diz Hislop:
“Em qualquer páreo, o fator mais importante é o ritmo em que ele é disputado. Se alguém quer se transformar num grande jóquei, tem, antes disso, que revelar–se um bom ‘juiz de ritmo’ e avaliar corretamente se o páreo está sendo corrido rápido demais, lento demais, ou no ritmo adequado para a capacidade do cavalo que dirige, o estado da pista e a categoria e características de seus oponentes.”
Prossegue Hislop:
“Quando o jóquei é um bom ‘juiz de ritmo’, ele sabe exatamente quão rápido deve ir quando o mandam correr na frente e onde deve estar quando o mandam correr vindo de trás. E não importa o que os outros jóqueis estão fazendo durante o percurso. Aqueles que conseguem avaliar corretamente o ritmo da carreira, são os verdadeiros senhores da capacidade locomotora de seus conduzidos e, em alguns casos, fazem–nos superar seus próprios limites. Julgamento de ritmo é, basicamente, uma questão de experiência na profissão, mas é também uma questão de prestar atenção e de raciocinar, sobre o que se está pedindo ao animal, seja em corrida, seja em trabalho.”
E conclui:
“Várias e várias vezes, um jóquei receberá do treinador a seguinte instrução: ‘Se não houver trem de corrida, corra entre os da frente. Se largarem correndo, apenas acompanhe.’ Quando o jóquei não tem uma boa noção de ritmo, instruções como essa não servem para absolutamente nada. O que um jóquei profissional tem que fazer, é desenvolver seu senso de ‘ler’ os ritmos da prova como se lê uma partitura de música. Depois de algum tempo, isso se torna instintivo, mas até lá é preciso trabalhar muito bem essa noção, até dominá–la completamente. Alguns conseguem. Outros não. Esta é a diferença fundamental entre montar e pilotar um cavalo.”
Os grandes jóqueis do mundo do turfe, em qualquer época, exibem a característica comum de serem bons “juízes de ritmo”, e alguns deles parecem mesmo ter um sensor implantado no cérebro. Isso independe de sua estatura, do peso físico com que montam, da forma de estribar, e do maior ou menor vigor de sua tocada. Todas as lendas desse difícil esporte, conseguem perceber mais rapidamente que seus colegas de ofício quando é para estar na frente e quando é para ficar, deixar galopar, e esperar.
Além disso, desenvolveram a capacidade de conjugar essa virtude com a forma como abordam as variadas distâncias da programação e os segredos das pistas onde atuam. Por isso mesmo, é que se trata de lendas do esporte e não simplesmente de profissionais das rédeas.
Jóqueis assim, têm sempre presente os três atributos fundamentais de sua profissão, mencionados por Tesio (sempre ele):
“Um grande jóquei é sempre um artista. Não se inventa um grande jóquei, nasce–se grande jóquei. Da mesma forma que não se inventa um poeta, nasce–se poeta. É um dom, não um aprendizado. E esse dom, significa ter vindo a este mundo dotado de: (1) grande equilíbrio; (2) grande capacidade de julgamento sobre ‘l’andatura’; e (3) grande rapidez de raciocínio.”
Isso tudo nos remete a uma melhor definição do que seja, para um puro sangue e seu jóquei, ter que atuar sobre percursos que podem variar dos 1.000 aos 4.000 metros, em diversos hipódromos e pistas onde os ângulos de tomada das curvas não são necessariamente iguais, as retas variam de comprimento, e a textura do solo é diferente.
Talvez a melhor e mais completa classificação dos percursos disponíveis no turfe moderno – que vincula diretamente a capacidade dos animais para percorrê–los e serve, inclusive, para distinguir os chamados “perfis funcionais” do moderno cavalo de corrida – seja o da sigla “SMILE”, formada pelas iniciais das palavras inglesas Sprint – Mile – Intermediate – Long – Extended, referidas, respectivamente, às distâncias de velocidade pura; à milha; aos percursos intermediários; aos longos; e estendidos.
Parece interessante percorrer os conceitos da mencionada classificação e aproveitar a ocasião para introduzir alguns comentários a respeito de ritmo e capacidade de julgamento. Como se segue.
A classificação “SMILE”
De forma bastante resumida, as distâncias referidas na classificação em exame – bem assim, os tipos de competidores que as integram são os seguintes:
“Sprint” – Significam os percursos de 1.000 a 1.400 metros. Para corrê–los com sucesso, os animais têm, antes de tudo, que possuir um percentual significativo de fibras musculares de contração rápida. Não é muito difícil distinguir um cavalo desse tipo: basta encostar na cerca do paddock em um páreo de 1.000 metros e observar a inconfundível adequação entre modelo físico e função. Ademais, existem linhas masculinas no thoroughbred que se notabilizam, claramente, pela transmissão de velocidade pura. Conhecê–las é fundamental.
A melhor observação que se pode fazer sobre tais provas, é que, também nelas, ao contrário do que possa parecer, é possível correr sem desespero, querendo a ponta a qualquer preço, como se disso dependesse vida e morte. Quem teve o privilégio de ver Juvenal Machado da Silva no dorso de Mensageiro Alado e Lester Piggot pilotando Moorestyle (melhor sprinter de seu tempo e “Cavalo do Ano” na Europa), sabe que não precisa ser assim.
Usar a explosiva velocidade natural de um sprinter para acompanhar e esperar o momento certo de “fazer correr”, ainda parece a forma mais racional e equilibrada de abordar distâncias curtas. Somente assim é que se consegue manter estável o equilíbrio do animal e, o mais importante, não perturbar o ritmo necessariamente vertiginoso de suas diagonais.
“Milha” – Correr bem a milha, exige absoluta uniformidade de ritmo e capacidade de manter velocidades médias em torno dos 17,00 metros por segundo (na grama), e 16,80 (na areia). O castanho Phalaris, criação de Lord Derby, considerado o grande divisor de águas entre o cavalo do passado e o do século XX – e que está na origem de mais de 60% dos ganhadores de Grupo de nossos dias – era um ótimo milheiro.
Para os europeus, correr a milha significa correr duas vezes 800 metros. Nada mais que isso. Na verdade, este é o único percurso que pode ser dividido mentalmente pelo jóquei em dois segmentos iguais. Se, ao longo dos primeiros 800 metros, for permitido ao animal encontrar seu ritmo e respirar suas chances de chegar correndo aumentam consideravelmente. Se lhe exigem, entretanto, largar e liderar a qualquer preço, a milha tenderá sempre a exauri–lo antes do tempo. Nesse caso, não há treinador ou estoque de glicogênio que dê jeito.
Jóquei que incentiva seu conduzido a passar a primeira metade de uma milha para menos de 46”, se obriga, de saída, a igualar ou bater recorde no disco. Mas há sempre quem tente isso...
Sob qualquer aspecto que se examine, os 1.609 metros constituem um dos mais severos testes da qualidade de um cavalo de corrida, porque exigem, não só velocidade, mas a capacidade de prolongá–la no tempo. Ao longo da história da raça, os exemplos de bons milheiros que se tornaram grandes reprodutores contam–se às dezenas.
“Intermediárias” – São aquelas distâncias que vão da milha aos 2.400 metros. A rigor, atendem basicamente à necessidade de se avaliar os ganhadores das duas primeiras provas da tríplice–coroa americana, o Kentucky Derby, em 2.000 metros, e o Preakness Stakes, em 1.900.
Deve ser mencionado, entretanto, que os 400 metros adicionais que separam a milha dos 2.000 metros do Kentucky Derby, ou os 500 metros que a distanciam do novo percurso do Prix du Jockey Club, o Derby da França (hoje em 2.100 metros), representam uma significativa diferença. Não é verdade, pois, que milheiros por excelência corram os 2.000 ou 2.100 metros – com a mesma eficiência, a mesma desenvoltura e o mesmo brilho – com que abordam sua distância original.
O ritmo invariavelmente infernal de um milheiro de elite, impede que suas aptidões, seu perfil funcional e suas características individuais sejam confundidos com os dos cavalos de distâncias intermediárias, embora alguns chamem a estes últimos de “milheiros alongados.” Nada contra a denominação. Mas milheiro é milheiro, intermediário é intermediário.
“Longa” – Corresponde à distância clássica dos 2.400 metros. E “clássica”, no sentido da excelência, porque é ela que consagra a elite da raça.
Correr a milha e meia de um Grupo I, exige tudo de um vencedor desse tipo de prova: tendões de aço para anular a força centrífuga das quatro curvas do percurso e se manter o mais próximo possível da cerca, uma trama perfeita de poros e vasos capilares que libere o calor gerado pela progressão do esforço, excepcional qualidade dos aparelhos cardíaco e respiratório, e a capacidade de recorrer a reservas anaeróbicas quando a quantidade de oxigênio é insuficiente.
Sem herança genética apropriada, leia–se, sem ter a distância em seu DNA, raramente um cavalo ganha uma prova de Grupo em 2.400 metros. E o que é pior, é nelas que o animal tende mais a quebrar – não só fisicamente, mas de espírito –, se não estiver bem treinado para esse tipo de desafio. Simplesmente porque, morfológica e funcionalmente, os eqüinos não foram feitos para manter esforço de tal ordem, durante tanto tempo.
Quanto aos jóqueis, também eles são testados em todas suas habilidades nos confrontos da milha e meia. E quando são aprovados com regularidade, nesta que é uma espécie de avaliação definitiva de suas virtudes profissionais, mudam imediatamente de patamar no conceito do público e da crônica.
Na verdade, a escolha do jóquei certo para disputar uma prova de Grupo na chamada “distância clássica” significa meio caminho andado para o sucesso. O animal pode até não ser especialmente brilhante, mas seu jóquei tem obrigação de ser. E se não for, dificilmente ganha.
“Estendida” – Este é o terreno dos grandes “galopadores profissionais” (no dizer de Francesco Varola), capazes de carregar peso em percursos acima dos 2.400 metros, dotados de coração e pulmões perfeitos.
O modelo físico padrão do cavalo das distâncias “estendidas” (que podem chegar aos 4.000 metros, como a Ascot Gold Cup – e de que os magníficos Yeats e Sagaro são paradigmas), geralmente tem o ventre longe do chão, dorsos mais curtos, ótimo conjunto de músculos da cernelha (capazes de sustentar o peso e os movimentos do pescoço), quartelas mais longas (que permitem suavidade e fluidez na ação), e paletas mais desenvolvidas que a anca.
Na amplidão desses percursos, é essencial ao jóquei dispor de um bom preparo físico para sustentar–se sobre o dorso do animal sem ceder à tentação de apoiar–se nas rédeas, além de ser dotado de um excelente julgamento de ritmo. Em uma prova clássica de 3.000 metros, por exemplo, é certo que os jóqueis chegarão ao seu final quase tão exaustos quanto os animais que conduzem.
Eis aí, em resumo, as distâncias da classificação “SMILE”, e as características exigidas dos jóqueis e animais que as disputam.
Alguns vícios e equívocos
Observar o que vem ocorrendo em nossas pistas em matéria de equitação, parece interessante. Até mesmo para destacar alguns vícios e equívocos de direção que estão na base da maioria das derrotas (e que, a rigor, poderiam perfeitamente ser evitados). Principalmente, no que se refere à conduta em corrida dos aprendizes, bem assim, de alguns jóqueis já “brevetados”, embora ainda jovens demais e, portanto, carentes de experiência sobre a complexidade de seu ofício.
Pelo menos, três erros básicos podem ser percebidos em alguns dos nossos jóqueis: (a) a confiança excessiva no uso do chicote; (b) o imaginar que corridas são sempre ganhas por quem larga na frente; e (c) a nova moda – que não se sabe exatamente de onde provém –, de abrir e balançar as rédeas, supondo que isso melhore a performance do animal.
. No primeiro caso, a lição é definitiva: chicote não ganha corrida. Ao contrário, faz perdê–la, na maioria dos casos. Cavalos espancados tendem instintivamente a se defender e diminuir a passada, ao invés de alongá–la. Além do que, jóquei que bate muito, invariavelmente se desequilibra ao bater; bate fora do ritmo da passada do cavalo; e bate invariavelmente nos locais errados como a barriga e o “vazio.” Um desastre.
Para estes profissionais, não restaria outra solução, senão voltar à escola de aprendizes e serem reciclados sobre os equívocos que cometem, principalmente em finais mais disputados, onde a manutenção do equilíbrio – deles e do animal – é condição essencial à vitória.
Nos turfes desenvolvidos, o uso do chicote, bem assim, a padronização desse equipamento, é assunto já resolvido, há anos, pelas Comissões de Corrida locais. Nesses turfes, como o da Inglaterra, por exemplo, jóqueis que notoriamente espancam seus cavalos montam menos: ou porque estão seguidamente suspensos, ou porque a confiança de treinadores e proprietários em seus serviços é duvidosa. Questão de conceito – e de respeito pelo animal, pelo esporte e o dinheiro dos apostadores.
Talvez a melhor explicação sobre o tema venha de Hislop:
“A razão pela qual determinados jóqueis não conseguem dirigir um cavalo sem deixar de bater nele, nada tem a ver com o animal e as circunstâncias da corrida, e sim porque lhes falta condição física e vigor necessários para tocar e empurrar durante os 400 metros finais – ou, à vezes, mais que isso. Então, eles param de tocar e ‘descansam’ espancando o animal.” Uma bela análise.
. No segundo caso, qualquer profissional do turfe sabe (ou devia saber) que a melhor forma de galopar um cavalo – com o menor dispêndio possível de energia –, é permitir que ele encontre seu ritmo depois que as portas do partidor são abertas. E quanto mais cedo, melhor. Só assim, é possível fazê–lo chegar à ação isócrona (do grego, tempos iguais) que suaviza o deslocamento e cadencia a respiração. Afinal, não é de outra coisa que as corridas de cavalo tratam, desde que o turfe foi inventando: fazer com que todos os competidores estejam no ritmo certo e respirando corretamente.
Entretanto, nada disso é possível diante do caos imposto às largadas em nossos hipódromos, principalmente aquelas situadas entre os 1.000 metros e a milha, onde o que se vê não é exatamente uma corrida, mas um exercício de ansiedade em sua forma mais tosca e disparatada.
Daí, as abruptas trocas de linha, vários jóqueis “dando intenção” e batendo nos animais para apressá–los, cortando a trajetória daqueles que correm ao lado, provocando esbarros de toda a sorte, como se o páreo fosse decidido nos próximos metros. Onde aprenderam isso, não se sabe. O que se sabe, é que nem nas vaquejadas do nordeste, onde os dois cavaleiros são obrigados a conservar sua linha, acontece algo minimamente parecido. A propósito, quem pode mudar de linha numa vaquejada é o bezerro, não os vaqueiros...
Assim, esperar que cavalos dirigidos desta forma alucinada (e especialmente perigosa quando se trata de potros inexperientes), consigam se equilibrar, encontrar seu ritmo, respirar e chegar correndo, é de um otimismo delirante.
Mas é esta a realidade que temos. Talvez seja o caso de, independente da distância, se proibir mudanças de linha nos metros iniciais da disputa. Como ocorria no quadriênio 1992–1996, certamente uma época de ouro do turfe do Rio de Janeiro. Ou é isso, ou vamos continuar assistindo a práticas que nada têm a ver com um turfe desenvolvido e organizado. E principalmente, civilizado.
. O terceiro caso, é emblemático da atual desordem conceitual em matéria de condução de cavalos de corrida: alguém inventou da noite para o dia uma forma sui generis de dirigir os animais na reta de chegada, abrindo e balançando as rédeas ao lado de sua cabeça. E para surpresa geral, encontrou seguidores do prosaico método. Não deixa de ser divertido ver alguns jóqueis pretendendo incentivar seus conduzidos a partir da nova e revolucionária técnica. O único resultado disso, entretanto, é um só: contrariar tudo que se conhece, ou já foi escrito, sobre equitação em alta velocidade.
Voltamos a Hislop:
“É fundamental manter sempre o contato com a boca do animal, principalmente em finais mais difíceis. Só se consegue isso, ajustando as rédeas e levantando os punhos ao acompanhar os movimentos do pescoço do cavalo. Esta também é a única forma de corrigir repentinas mudanças de linha do conduzido, que poderiam resultar em derrota ou eventual desclassificação.”
Na “nova técnica”, é forçoso reconhecer que a possibilidade de contato é zero! Como zero é a sincronia com o ritmo da passada do cavalo. E menor que zero a chance de corrigir a tempo eventuais movimentos do animal. Na realidade, nenhum adepto dessa novidade ter caído, já parece um milagre...
Aparentemente, falta algo no processo de formação de nossos novos jóqueis. Como também falta algo na correção de seus erros, bem assim, na contenção de seus desvios funcionais de raia, por aqueles que têm o dever de educá–los e discipliná–los.
Quem mais sofre as conseqüências disso são os apostadores, o público e o esporte em geral. Os primeiros perdem dinheiro; os segundos perdem a beleza de ver um cavalo de corrida superar suas próprias limitações quando conduzido por um mestre da profissão.
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