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Turfe – "Juntar turfe, TV e site dá lucro!", por Sergio Barcellos 22/01/2011 - 16h25min
No hemisfério norte, turfe não é apenas lazer há muito tempo; é uma indústria como outra qualquer. Nos EUA, uma das 12 maiores. E está entre as 2 maiores audiências esportivas de TV daquele país.
Lá, quem está no turfe está para ganhar dinheiro. Não há nada de novo nisso. É esta a tendência universal do esporte moderno, que hoje movimenta cifras astronômicas, do futebol ao golfe; da Formula I às corridas de cavalo. E não adianta estabelecer juízo de valor a respeito. É assim que é.
Com o advento da INTERNET e o espetacular avanço das comunicações, o turfe, em particular, de há muito perdeu seu caráter nacional para se tornar algo globalizado, superando fronteiras políticas e os usos e costumes de um mundo limitado e paroquial que não mais existe.
Como não podia deixar de ser, é do hemisfério norte que vem o principal exemplo de como utilizá–lo para gerar renda, produzir riqueza e criar empregos, através da combinação inteligente de cinco elementos: TV a cabo – site de informação – “simulcasting” nacional – mídia – e publicidade.
Parece razoável examinar o que os ingleses e americanos vêem fazendo a respeito – e de como é possível ao Brasil aproveitar–se dessa experiência.
O exemplo inglês
Na conferência da Federação Internacional das Autoridades Hípicas (FIAH), realizada todos os anos na França, reunindo representantes de 59 países, uma das principais sessões foi dedicada ao que se chamou de "Importância de um operador internacional na difusão da moderna indústria do cavalo de corrida.”
No caso, o "operador internacional" é a empresa inglesa "At the Races" (ou ATR), criada em 2004, que explora um canal de TV a cabo e um site na INTERNET, dedicados exclusivamente à difusão das corridas de cavalo na Europa. Por favor, não confundir com a experiência do “simulcasting internacional” entre nós. Nada a ver.
Ao final de 2009, a "At the Races" apresentou um faturamento de vendas de £ 15,600,000.00, lucro operacional de £ 10,510,000.00 e gerou £ 2,400,000.00 de dividendos a seus acionistas, apesar dos efeitos da crise financeira mundial a partir de setembro de 2008.
A quem estiver interessado em saber o que é, e como opera a "At the Races", aí vão alguns números e informações. Como se segue.
O que é e como funciona
(i) O que é
. A “At the Races” é uma joint venture entre a BSkyB, a Arena Leisure plc., o The Ascot Racecourse, a Northern Racing, a Plumpton, e a Ripon and Newton Abbot Racecourses, com direitos de mídia (divulgação de imagem) em 31 hipódromos na Inglaterra e todos os hipódromos da Irlanda.
. Em ambos os países, a “At the Races” é hoje o canal de maior audiência entre os vários dedicados às corridas de cavalo (rasas e sobre obstáculos). Seu lançamento data de 11 de junho de 2004. Em 2009, ganhou o prêmio de “Melhor Canal de Serviços Esportivos” da Inglaterra, conferido pela Broadcast Digital Channel Awards daquele ano, superando a British Eurosport, a Racing UK e a Setanta Sports News.
. Junto com o canal em exame, a empresa explora o website Attheraces.com.uk com 800.000 usuários individuais mensais na Inglaterra e Irlanda, e cerca de 60 milhões de “hits” mensais.
. Sua programação funciona 24 horas por dia através de pacotes de subscrição e hoje alcança 14 milhões de lares que usam canais de TV na Inglaterra e Irlanda, com o sinal distribuído pelas redes Sky, Virgin Media e UPC.
. Até cerca de 1,5 milhão de indivíduos sintoniza o canal mensalmente, com uma média de 350.000 espectadores/dia e um pico de 474.000 num só dia em 2009.
. Fora da Inglaterra e da Irlanda, a “At the Races” distribui seu conteúdo para 21 países através de seu link internacional operado mediante acordo com a SIS. Os territórios alcançados pela programação incluem: Holanda, Alemanha, todo o Caribe, Siri Lanka, Emirados Árabes, Itália, África do Sul, Austrália e, mais recentemente, a Turquia. Um acordo assinado ao final de 2008 com a TVG, dos EUA, significa que a “At the Races” está agora disponível para cerca de 20 milhões de lares naquele país.
. A companhia também “importa“ o sinal de cadeias estrangeiras que transmitem as imagens de importantes eventos turfísticos dos EUA (principalmente a semana da Breeders’ Cup); da França (Festival do Prix de l’Arc de Triomphe e do Derby francês); Itália; Singapura; Japão (hoje considerado o país onde mais se aposta em corridas de cavalo, com seus atordoantes US$ 500 milhões jogados em um único dia do Derby japonês); Hong Kong (idem); Austrália; Dubai e Alemanha.
(ii) Como funciona
. São 24 horas diárias de programação (incluindo tudo que o público e os apostadores devem saber sobre as corridas de cavalo, seja na Inglaterra, seja fora dela). O conceito é o mesmo usado pela Bloomberg para o mercado financeiro, analisando as chances de cada animal inscrito nas reuniões semanais da Ilha e no exterior, o que inclui: comentários; entrevistas; filmes; projeção de vídeos sobre as principais corridas do mundo; notícias sobre o mercado mundial de criação do cavalo de corrida; resultados dos leilões de potros; notícias sobre a indústria farmacêutica e de equipamentos que atende ao mercado; resultados das corridas; divulgação dos rateios eventuais, etc. etc.
. Tendo em vista esse escopo, a ATR acabou por atrair o interesse das grandes casas de apostas da Inglaterra que passaram a divulgar seu sinal nos milhares de pontos de suas redes de venda (“betting shops”). Os nove maiores bookmakers ingleses, a saber: bet365, Betfair, Boylesports, Ladbrokes, Paddy Power, Sky Bet, Stan James, VC Bet e William Hill, estão hoje ligados 24 horas à ATR.
(ii.1) Audiência
. Por suas características, o canal atrai uma proporção excepcionalmente alta do que é chamado na Inglaterra de espectadores “ABC 1 Male” (leia–se, adultos do sexo masculino com grande poder aquisitivo), um perfil demográfico bastante procurado por anunciantes e patrocinadores. Nada menos que 31% da audiência da ATR é constituído por “ABC 1 Males”, comparados com os 18% da mesma audiência no total da rede de canais a cabo na Inglaterra.
(ii.2) Produção
. A produção dos programas ocorre basicamente ao vivo, e em 2009, cobriu 1.197 eventos (corridas rasas e sobre obstáculos) na Inglaterra e Irlanda, aí se destacando as entrevistas, os aspectos do desfile dos animais antes da corrida (“parade rings”), takes das arquibancadas e outros locais dos hipódromos, com foco preferencial no público feminino (cavalos de corrida e o universo feminino são dois elementos que sempre caminharam juntos, desde que o turfe foi inventado pelos ingleses no século XVIII...).
. Fora disso, a ênfase é na melhoria continuada do grafismo dos programas (títulos, vinhetas e logos), na análise da performance pregressa dos animais, e nas histórias dos homens que os treinam e dirigem (reportagens de campo).
. A maioria dos apresentadores é do sexo feminino. Finalmente, por óbvio, exige–se conhecimento do esporte (turfe, numa palavra) por parte da direção dos programas.
Eis aí um resumo da “At the Races.”
E nós com isso?
Bem, se quisermos tirar o turfe brasileiro da inércia em que se encontra há anos, gerar empregos, aumentar o movimento geral de apostas (MGA) e, principalmente, fazer com que a TV a cabo e a indústria do cavalo de corrida ganhem dinheiro (ao invés de perdê–lo e reclamar...), conviria perceber os seguintes fatos:
(i) canal digital de TV a cabo para divulgar as corridas de cavalo no Brasil e TV’s fechadas para gerar as imagens, já existem há anos entre nós (o canal 13 da TV Digital, inteiramente sub–utilizado, e as TV’s–Turfe do Rio de Janeiro e São Paulo);
(ii) sites dedicados ao turfe, também já existem. O mais visitado deles (“Raia Leve”) acaba de chegar a 6.000.000 "hits" por mês, mesmo considerando a baixíssima divulgação do turfe entre nós. Ou seja, público interessado há;
(iii) apostas via INTERNET igualmente há, sem mencionar os “call centers” dos tele–turfes dos próprios Jockeys Clubs do Rio e de São Paulo;
(iv) sistemas mecanizados de coleta de apostas e divulgação de rateios em tempo real (através dos CPD’s dos Jockeys Clubs) funcionam muito bem (sob esse aspecto, estão entre os melhores do mundo);
(v) agentes credenciados para capilarizar apostas em todo o território nacional, estão aí há bastante tempo (embora os Jockey Clubs não lhes dêem a menor atenção, e o apoio que seria necessário para ampliação das vendas);
(vi) o “simulcasting” (nacional, claro) entre os dois principais hipódromos do país já deu mostras de funcionar com a eficiência necessária;
(vii) finalmente, por trás disso tudo, há uma atuante indústria brasileira de criação do PSI (hoje distribuída em cerca de 400 haras) que produz em torno de 3.000 nascimentos por ano, abastece todas as necessidades dos hipódromos e centros de treinamento (o Brasil é o nono produtor mundial de cavalos de corrida), exporta animais para o mercado externo, e emprega diretamente cerca de 15.000 pessoas, mais que o dobro disso, se considerarmos as atividades colaterais.
(viii) em recente estudo desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) – Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), denominado “Análise do Perfil Econômico do Turfe e da Criação de Cavalos de Corrida Puro Sangue Inglês (PSI) no Brasil – 2007/2008” – malgrado ser praticamente nula a divulgação do esporte entre nós por parte das sociedades promotoras de corridas de cavalo (leia–se, os Jockeys Clubs) – verifica–se que “a comparação internacional com os países do Mercosul (notadamente Argentina, Chile e Uruguai) sinaliza que a revigoração do setor no Brasil é positiva e possível de ser implementada.” (pág. 9).
O que falta, então?
O que falta para fazer decolar o PIB dessa indústria? A resposta parece óbvia: falta gerência para fazer crescer o interesse pelo turfe, usando os veículos e instrumentos já existentes no país.
Na verdade, o que o turfe brasileiro está precisando, mais do que qualquer outra coisa neste momento, é de um empreendedor que conjugue TV – site na INTERNET –“simulcasting” nacional – mídia – publicidade, e demonstre que é perfeitamente possível ganhar dinheiro com a atividade.
E, principalmente, dando sentido econômico ao canal 13 da TV Digital.
Outros já fizeram isso com inteiro sucesso em várias modalidades esportivas – muito menos tradicionais e conhecidas do público –, e as transformaram em negócios inteiramente rentáveis.
Com a palavra, os homens dos Jockey Clubes brasileiros. O exemplo internacional aí está. Copiá–lo não custa absolutamente nada. Mas para que tudo isso ocorra, é fundamental conhecer a fundo a atividade, e, claro, manifestar um mínimo de fé em seu futuro.
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