Colunista:
Turfe, por Sergio Barcellos 06/01/2011 - 11h13min
NOVIDADES E TENDÊNCIAS DO TURFE MUNDIAL
É na reunião da Federação Internacional das Autoridades Hípicas (FIAH), realizada uma vez por ano em Paris, França, um dia depois da disputa do Prix de l’Arc du Triomphe, que o turfe mundial se reúne para debater seu presente e planejar seu futuro. Lá estão 59 países com assento na Federação, mais 4 organizações regionais, e 7 outras nações admitidas como observadores.
O Brasil está representado na FIAH pelos Jockey Clubes do Rio de Janeiro (2 assentos) e São Paulo (idem). Nos últimos anos, porém, parece que as duas sociedades promotoras de corridas se esqueceram disso (ano passado, por exemplo, ninguém do Jockey Club Brasileiro apareceu por lá). E como se esqueceram, dia virá em que simplesmente perderemos os assentos na FIAH, com todas as conseqüências daí resultantes. Esses são alguns dos problemas do atual turfe brasileiro, e, como tal, só o Brasil poderá resolvê–los. Mas isso é assunto para outro momento e outra ocasião.
O que interessa saber para efeito deste artigo, é que na última reunião da FIAH alguns tópicos importantes foram discutidos, entre eles a questão da evolução do jogo de apostas em corridas de cavalo, o uso da TV na divulgação dos principais eventos, e as estatísticas sobre a evolução da criação mundial. Tentaremos condensar as principais conclusões a respeito. Como se segue.
Jogo de apostas
Não é verdade que o jogo de apostas, bem assim, o interesse pelo esporte esteja em decadência em todo o mundo como, equivocadamente, se costuma afirmar. O que há são perdas naqueles países mais atingidos pela crise econômica deflagrada em outubro de 2008 nos EUA, cujas repercussões continuam até hoje, em maior ou menor escala.
Nesse contexto, o movimento geral de apostas (MGA) recuou 9,8% na América e 15,8% na Irlanda (um dos maiores atingidos pelo tsunami de outubro de 2008). E no Japão, o país onde mais se aposta em corridas de cavalo, a queda foi de 5,5%. Em compensação, o MGA da Austrália cresceu 12,8% e o de Hong Kong, China, 9,8%, aumentos esses bastante expressivos se considerarmos o panorama mundial da economia.
Em Hong Kong, o crescimento se deveu ao rebate de 10% dado a quem aposta mais de 1.000 euros e perde, fato que encorajou os grandes jogadores a jogar mais com menos 10% em seu orçamento. Para o novo secretario geral da Federação Internacional, o japonês Aki Akitani, colocado à disposição da FIAH pelo seu empregador, a Japan Racing Association, a experiência bem sucedida de Hong Kong equivale à aplicação no turfe do “Princípio de Pareto” (que demonstra que 20% dos clientes de um empreendimento – no caso, os grandes jogadores –, são responsáveis por cerca de 80% das receitas).
Na França, o Pari Mutuel Urbain (PMU) fez o mesmo, bonificando as apostas de vencedor e placé, os jogos mais populares naquele país, conseguindo com isso aumentar em 14% a arrecadação dos mesmos.
Nos idos da década de 1900, período 1992–1996, o Jockey Club Brasileiro fez o mesmo, e com ótimos resultados (principalmente no combate ao jogo paralelo), bonificando em 10% as apostas de vencedor e placé. Depois, o tempo passou, a Comissão de Corridas mudou, quem sabia fazer conta se afastou, extinguiu–se o cargo de diretor da Casa de Apostas, e tudo, afinal, se perdeu. Hoje, não há um responsável direto pela atividade e a estrutura dos jogos pode mudar ao sabor das conveniências do momento. Pena.
Em termos globais, o agregado do MGA nos países onde existe um turfe organizado alcançou 84,2 bilhões de euros (cerca de US$ 117 bilhões) em 2009, com uma queda de 1,2% sobre os mesmos números de 2008; 90% desse total são realizados pelas 8 maiores nações do turfe mundial. Para se ter uma idéia, 54,3% do movimento de apostas em corridas de cavalo está hoje concentrado na Ásia e Oceania; 33,7% na Europa e países mediterrâneos; e 12% nas Américas.
Em todas as palestras havidas, ficou claro que o futuro das rendas da atividade está diretamente ligado ao uso da INTERNET e suas várias aplicações. Em outras palavras, o turfe do futuro só terá possibilidade de enfrentar em pé de igualdade a concorrência de outros tipos de jogos, ampliando a captação de apostas via INTERNET. Neste particular, alguns países como a França, Austrália e Japão, entre outros, constituem a vanguarda do movimento. Nos EUA, essa questão tem sido bastante dificultada pelas legislações diferentes de cada estado da União. Ainda assim, a INTERNET foi responsável, em 2009, pela venda de cerca de US$ 1,3 bilhão em apostas nas corridas de cavalo da América.
TURFE E TV
Duas são as conclusões do uso da TV na maior divulgação do turfe, a primeira delas, até certo ponto surpreendente: (a) a televisão continua sendo o melhor veículo para difusão das corridas de cavalo no mundo, e a maioria dos espectadores nos EUA é constituída, quem diria, por mulheres; (b) se ao público feminino é dada a oportunidade de jogar, seja através da INTERNET, seja por outros meios, o resultado se torna ainda mais efetivo.
Nos EUA, a cadeia aberta NBC transmite o Kentucky Derby e o Preakness Stakes, razão do recrutamento de novos seguidores do turfe; a ABC e a ESPN transmitem o Belmont Stakes e o “meeting” da Bredders’ Cup. Em 2010, graças à TV, o Kentucky Derby foi o segundo evento esportivo mais acompanhado na televisão americana, superando a audiência de 1989, quando os dois craques, Sunday Silence e Easy Goer, se enfrentaram.
Um breve comentário: a ligação turfe–público feminino é algo conhecido, desde que o cavalo de corrida foi inventado pelos ingleses. Mas para que isso ocorra, duas condições são fundamentais: (i) a correção das instalações dos hipódromos; e (ii) a criação de um ambiente de glamour em torno do esporte. Tudo se passa como se a capacidade de provocar emoção estética no homem, um dos principais atributos do thoroughbred, exercesse permanente atração sobre o público feminino. Parodiando a Lei de Newton, no turfe que se preza, “Beleza atrai beleza na razão direta do respeito à liturgia do esporte, e na razão inversa dos ambientes degradados onde ele se realiza.”
A expressão máxima desse conceito, é o famoso “Ladies Day” do Royal Meeting de Ascot. Nesse dia, desfilam nas tribunas de Ascot as mulheres mais belas da Inglaterra, e talvez da Europa. O mesmo no meeting de Saratoga, nos EUA; na semana do Prix de l’Arc du Triomphe, na França; nos grandes eventos de Goodwood, Epsom e Newmarket; em Chantilly, nos dias do Derby e do Diana franceses; em San Isidro, no Pellegrini de dezembro, e assim por diante. Talvez a grande definição a respeito, tenha sido fornecida por Federico Tesio na primeira vez que foi a Ascot: “Quando vi os cavalos brilhando ao sol como demônios, e as mulheres boticellianas do Royal Enclosure, parecia que tinha chegado às portas do paraíso.”
Estatísticas da criação mundial
As estatísticas mais recentes da criação mundial divulgadas na reunião da Federação indicam:
. Que entre os anos de 2008 e 2009, os preços das principais coberturas no mercado americano recuaram em média 18,5%. Em alguns casos, de que são exemplos os reprodutores Distorted Humor, Forestry, Johannesburg e Mineshaft, mais que isso. Em compensação, Street Cry subiu de US$ 100,000 para US$ 150,000.
. Na Europa, o recuo foi ainda mais acentuado (24,6%). Apenas três sementais superaram o preço de seus serviços em relação a 2008: Annaba, Dalakhani e Oasis Dream.
. Em número de matrizes, os EUA lideram com 44.987 éguas de cria, seguidos pela Austrália (28.134), Irlanda (18.851), Argentina (13.945), Japão (9.850), França (8.758), Nova Zelândia (8.326) e Inglaterra (7.240). Em 2009, estavam registradas no Brasil 3.776 éguas de cria, que produziram 2.922 produtos (cerca de 2,41% da produção mundial de potros de corrida naquele ano).
Alocações (prêmios distribuídos)
No que respeita às alocações totais das corridas rasas (prêmios distribuídos), os EUA lideram com 635.958.192 euros, seguidos de perto pelo Japão (615.557.633 euros). Depois, vêm, pela ordem: Austrália (263.184.931), França (108.354.306), Turquia (é, Turquia!, com 89.419.226), Inglaterra (82.771.992), Hong Kong (70.173.370), Itália (44.159.159), Argentina (41.942.182), Singapura (30.441.595), União dos Emirados Árabes (28.480.023), e Nova Zelândia (28.473.573). O Brasil distribuiu 16.156.816 de euros aos proprietários e criadores de cavalos de corrida do país.
Esta situação se inverte quando se considera o prêmio médio distribuído por corrida (total de prêmios, dividido pelo número de corridas no ano). Neste particular, a União dos Emirados Árabes (UAE) lidera com prêmios médios de 96.542 euros por corrida. Seguem–se: Hong Kong (91.491), Singapura (37.034), Japão (35.039), Irlanda (27.437), Macau (25.920), França (22.908), Turquia (21.588), Austrália (13.540), Inglaterra (13.235), etc. Os EUA, com suas 49.196 corridas por ano, distribuem um prêmio médio de 12.927 euros por corrida. O Brasil, com 4.416 corridas, distribui 3.659 euros em média por corrida.
Esta relação reflete uma nova tendência do turfe mundial: a de diminuir o número de corridas em cada país, pagando prêmios melhores aos proprietários e criadores dos animais. A conseqüência disso é uma só: concentrar em um menor número de hipódromos o estoque de animais disponíveis para a formação dos programas. É o caso típico da União dos Emirados Árabes e de Hong Kong. Aliás, esta é também a perspectiva para os EUA, na visão das autoridades do The Jockey Club local.
Levada a seus extremos, no caso brasileiro, a tendência em exame equivaleria a reunir parte ponderável do estoque de animais em torno dos principais hipódromos, realizando um número menor de corridas no resto do país.
Considerações finais
Novos protagonistas começam a aparecer com destaque no mercado mundial do puro–sangue. Turquia, Índia, Malásia, Coréia do Sul e Arábia Saudita são cinco deles. Turquia, Índia e a Malásia criam. Os outros, nem tanto. Mas é a China o novo gigante surgindo no horizonte, fato que reforça a proeminência da Ásia em relação ao turfe do futuro.
Neste momento, a segunda maior economia do mundo está construindo nada menos que oito hipódromos, com uma projeção anual de apostas de 120 bilhões de yuans/ano (ou cerca de 12 bilhões de euros), e a perspectiva concreta de inicialmente ter que importar animais para a realização de seus programas de corridas.
Se quiser, a China pode criar também. Ela sabe como se faz isso desde tempos imemoriais, a julgar pelas hordas que desceram de suas vastas estepes, usando uma fantástica cavalaria, e dominaram a Europa central e do leste. Portanto, é provável que em poucos anos o "Império do Meio" vá passar a criar também. No atual ritmo de seu crescimento, isso é quase inevitável.
A primeira questão que se põe, é saber de onde virão, prioritariamente, os animais que a China terá que importar para fazer girar seus novos hipódromos. Em princípio, eles virão dos turfes geograficamente mais próximos como Nova Zelândia, Austrália, Índia, Singapura, etc. Mas parece evidente, que a Europa e os EUA não se permitirão ficar fora desse novo (e promissor) mercado. Neste momento, quem imagina a forma das coisas que virão, já começou a estreitar seu relacionamento e a estabelecer vínculos mais consistentes com o novo parceiro.
Se as normas chinesas sobre medicação seguirem o padrão europeu de proibir medicar para correr – como ocorre em Hong Kong –, muita coisa terá que mudar nesse campo. Não é por outro motivo, que aqueles países exportadores de cavalos de corrida onde a butazolidina e a furosemida ainda são toleradas, estão se preparando para ajustar melhor suas disposições a respeito. Os americanos sabem disso. Os europeus também.
Nos EUA, mesmo com as dificuldades do país em padronizar regras de condutas, tendo em vista o caráter não federativo de sua organização política, esteróides anabólicos já viraram crime, a butazolidina teve seus níveis de tolerância bastante reduzidos, e discute–se seriamente, quem diria, o uso indiscriminado da furosemida. Não há nada como o risco econômico de ficar fora, para pôr juízo nas cabeças...
No Brasil, nos antecipamos, em boa hora, à recomendação da OSAF sobre a não administração da furosemida a partir de 2013, no que respeita às provas da programação clássica do continente. Graças à recente – e histórica – decisão da ABCPCC, já a partir de 2011 nenhuma prova da programação "black type" do país contempla mais essa possibilidade.
Em síntese, cavalos sãos, livres de medicação, e, portanto, mais duráveis, parecem constituir o novo modelo de competidor de elite requerido por um turfe cada vez mais globalizado.
E junto com a nova voga, virá provavelmente uma mudança nos métodos de iniciação e treinamento dos juvenis. Mas isso fica para a próxima oportunidade.
[ Escolher outro colunista ]
|