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Colunista:

Veterinária a galope, por Dr. Francisco Lança
07/05/2009 - 11h05min

CONFORMAÇÃO, APRUMOS E PROBLEMAS ORTOPÉDICOS NO CAVALO ATLETA: A FORMA PRECEDE A FUNÇÃO
INTRODUÇÃO

Conformação é a forma ou delineamento de um cavalo ou sua aparência física relativa ao arranjo dos músculos, dos ossos e outros tecidos, ou simplesmente “o relacionamento entre forma e função". A conformação tem um papel importante no julgamento morfológico de um cavalo. A sua avaliação é subjetiva e baseada na experiência ou na opinião de cada avaliador. Embora muito já se saiba ao longo de 200 anos de estudo sobre a conformação dos cavalos e sua relação com o desempenho e problemas ortopédicos, poucos dados objetivos estão disponíveis aos criadores do cavalo atleta. Exclusivamente neste artigo serão tratados apenas os membros, lembrando que todo o corpo do cavalo está envolvido na conformação e na sua biodinâmica.

CONFORMAÇÃO DESEJADA

Peito

Olhando o cavalo de frente, os membros dianteiros não deverão ser nem demasiado distantes nem demasiado perto um do outro, já que juntos formam a largura do peito. Demasiado distantes resultará em uma locomoção roliça, do tipo que poderá causar enjôo ao cavaleiro. Demasiado perto, predispõe o cavalo aos ferimentos, já que existe o risco do cavalo tocar os próprios membros quando se move. Estas situações podem ser aliviadas através de casqueamento e ferrageamento, mas melhor se forem evitadas desde o nascimento. A região peitoral deverá ter boa massa muscular e ser ampla, já que os cavalos com estas características terão melhor extensão e potência de movimento lateral do que cavalos com peitos fechados.

Joelhos e canelas

Os membros anteriores devem ser retos e não desviados para dentro ou para fora. Devem ser longos e musculados no antebraço e os joelhos devem ser grandes e lisos, não pequenos nem redondos., devido aos tendões passarem por eles, permitindo assim  movimento e articulação máximos.

A canela não deve ser demasiado longa. Olhando o cavalo de lado, o joelho deve parecer baixo em relação ao membro. Se parecer elevado, significa que a canela é mais longa do que o ideal, e propensa à fraqueza. A forma com que a canela se junta no joelho é importante para a funcionalidade do membro. Em alguns cavalos você verá que esta junção aparece garroteada, onde a canela é mais fina logo debaixo do joelho e termina mais grossa no boleto. Isto pode restringir o movimento dos tendões. Em alguns casos o cavalo pode estar ajoelhado com a canela se unindo atrás da linha do joelho. O oposto disto é o chamado joelho transcurvo, onde a linha frontal do membro se torna côncava.

Quartelas

A quartela é a parte absorvente do choque, carregando às vezes o peso inteiro do cavalo, mais aquele do cavaleiro. A quartela ideal, á semelhança dos membros, seria a nem demasiado longa nem curta, e nem inclinada nem vertical demais. A longa  colocará uma tensão adicional no ligamento suspensório do boleto e nos tendões flexores. A quartela demasiado vertical não atua suficientemente bem para superar os efeitos de choque do movimento e assim todo o membro pode sofrer com problemas de manqueiras.

Curvilhões e canelas

Quanto ao membro traseiro, os curvilhões são uma das partes mais importantes. Agem como um absorvente adicional de choque. Assim como o joelho, é preferível estarem num ponto baixo do membro, diminuindo a tensão nas canelas posteriores. A forma como o alinhamento do curvilhão está ajustado no membro fará uma diferença na sua ação. Idealmente, o ponto de alinhamento do curvilhão deverá ser debaixo da garupa onde uma linha reta seja possa ser traçada na parte traseira da canela e continue na parte traseira da garupa. Os cavalos com curvilhões que caem atrás desta linha terão falta de propulsão. Olhando o cavalo de trás, os membros devem ser retos e sem curvilhão de vaca, quando giram para dentro, acompanhados pelos cascos girados para fora; ou se curvam em demasia, quando os curvilhões giram para fora. De lado, o cavalo não deve ser ter curvilhão de foice, onde a borda dianteira parece excessivamente curvada ou dobrada. Todas estas conformações podem causar manqueiras, comprometendo as qualidades anti–choque do curvilhão.

Casco

O ditado “Sem casco, sem cavalo!” é bem aplicado á conformação. O casco ideal terá de ser relacionado sempre com seus pares no tamanho e na forma. Os posteriores são maiores e com forma mais oval do que os anteriores. A muralha deve ser forte e flexível, não fraca nem mole ou seca e dura, mantendo sim a elasticidade. Os problemas com as paredes do casco significarão que o cavalo terá dificuldade em manter ferraduras. Ao casquear e ferrar o cavalo é necessário manter o tamanho natural do casco, mantendo os talões na mesma altura, e não o cortando demais para caber a ferradura, causando assim manqueiras e comprometendo as qualidades anti–choque naturais do casco.Os cascos devem apontar para a frente, não para dentro (periquito) nem para fora (pato). Devem ter ranilhas bem aparentes, bem–saltadas e não devem ser quadradas  nem eretas, como encontradas nos muares. Os sulcos laterais em torno da parede do casco podem indicar laminite ou, no mínimo, mudanças na taxa de crescimento devido a doença ou mudanças na alimentação ou estresse.


 

AVALIAÇÃO DA CONFORMAÇÃO NO PRIMEIRO ANO DE VIDA

Até 15 dias de vida

Olhando de frente, os potros recém nascidos tem 3 tipos de desvios nos membros dianteiros: angulares, rotacionais e deslocamento de joelho. A avaliação desta conformação em potros destinados á atividade atlética deverá ser realizada o mais cedo possível, para que a intervenção seja realizada antes dos desvios se tornarem permanentes. Os desvios angulares são causados por alterações das epífises ósseas ou das articulações, geralmente joelhos (carpo), curvilhões (tarso) e boletos. Traçando uma linha vertical imaginária em todo o membro, veremos desvios valgus quando para o lado interno da linha e varus quando para o lado externo. É de salientar que mais de uma articulação no mesmo membro poderão ser atingidas. As deformidades rotacionais também são comuns e envolvem mais as articulações do joelho e antebraço no membro anterior e a articulação do empurrador, quando no membro posterior. Ao nível de boletos, ambos os tipos angulares e rotacionais poderão estar envolvidos.

Geralmente estes desvios ocorrem em potros leves, com peito pequeno, onde haverá forças de pressão assimétricas sobre os centros de crescimento ósseo e conseqüente crescimento ósseo também assimétrico. Outro fator que compromete a conformação são os variados graus de ossificação em diferentes ossos devido a uma má gestação. Este tipo de problema leva a desvio do tipo carpus e tarsus valgus (joelho e curvilhão para dentro) e hiperflexão (contratura de tendão). O deslocamento do joelho (joelho rodado) é causado principalmente pelo não crescimento dos ossos desta articulação. O desvio mais comum que requer tratamento cirúrgico é o carpus valgus acentuado. Os restantes poderão ser corrigidos através de casqueamento corretivo, ferraduras ortopédicas e uso de bandagens e agentes químicos adstringentes. Desvios raros da arquitetura dos ossos, os varus e valgus congênitos e malformações, tem origem genética e os procedimentos terapêuticos são baseados na gravidade em que se apresentam.

Dos 15 dias aos 5 meses de idade

Neste período ocorrem várias mudanças no crescimento dos potros. Aqui a conformação sofre a ação direta da genética, ganho de peso, crescimento e exercício, levando a algumas alterações nos membros dos potros. Alterações positivas são a perda gradual do carpus valgus e a rotação do boleto para fora. As menos desejadas são carpus e tarsus varus, joelho rodado e rotação do boleto para dentro. Ao contrário do que se supõe, a abertura do peito não foi comprovada como fator de correção para mãos abertas e carpus valgus. A primeira alteração indesejável vista é a chamada mãos para dentro (periquito) que ocorre a partir dos 30 dias de idade. O joelho rodado também ocorre neste período, e não é tão severo. No entanto, por ter origem no crescimento desorientado dos ossos do joelho, é uma alteração contínua que deverá ser prontamente resolvida através do casqueamento corretivo. O carpus varus geralmente é unilateral e poderá ocorrer devido a algum trauma no membro oposto.

Dos 5 meses a 1 ano de idade

As alterações ósseas nesta fase são menos drásticas do que nos períodos anteriores, mas é neste período que os desvios se tornam permanentes. Os potros ainda estão ganhando peso e enquanto este fator atua nos membros, as alterações na arquitetura óssea se tornam mais aparentes. Isto é devido á redução de cartilagem e aumento de tecido ósseo nos membros.

Os desvios mais comuns nesta etapa são a mão para dentro e joelho rodado em graus severos. Apesar da gravidade, alguns fatores de crescimento ósseo ainda possibilitam o tratamento através de casqueamento e ferrageamento corretivos e até cirúrgia com colocação de grampos.

PROBLEMAS ORTOPÉDICOS E CONFORMAÇÂO NO PSI

Uma pesquisa realizada na Califórnia (Anderson, Mcllwraith, Goodman and Overly, 2003) constatou a relação direta entre problemas ortopédicos e conformação.  Dentre as mais variadas associações, as mais observadas foram as seguintes:

1) Úmero longo está associado a fraturas das falanges proximais e sinovite dos joelhos.

2) Membro anterior longo, pescoço longo e pinças dos cascos longas, levam a fraturas do tipo “chip” no joelho.

3) Aumento do ângulo da paleta está associado a fraturas dos ossos do joelho e á diminuição da incidência de sinovite na mesma articulação.

4) A quartela mais vertical leva a maior inciência de sinovite no joelho e boletos

5) Mãos muito para fora estão associadas a uma maior chance de ocorrer fraturas de ossos do joelho, especialmente do direito.

6) Joelhos rodados levam a um aumento da ocorrência de fraturas e sinovites de ambos os joelhos e á formação de sobreossos nas canelas.

7) Joelhos transcurvos levam a uma maior incidência de fraturas no joelho logo no início das atividades atléticas.

PROCEDIMENTOS CORRETIVOS

O cavalo perfeito é difícil de ser encontrado, mas alguns defeitos podem ser corrigidos. Porém, devido á capacidade do cavalo carregar peso ser dependente da inter–funcionalidade de todas as partes locomotoras, é importante que estas se alinhem corretamente, para serem o mais eficiente possível.

A correção dos desvios de membros terá de obedecer não apenas a uma aparência visual alinhada mas também a toda uma biodinâmica. Ou seja, não adianta apenas deixar o membro alinhado, ele deverá estar simétrico com os demais e todas as articulações deverão estar preservadas e a locomoção equilibrada. Para tal é recomendado o casqueamento corretivo dos potros a partir dos 20 dias de idade e regularmente a cada 25–30dias até início das atividades atléticas. Também poderão ser utilizadas ferraduras ortopédicas em casos mais graves. O uso de substâncias adstringentes como o iodo também é outra terapia que quando bem utilizada, retorna ótimos resultados. Na opinião do autor, os procedimentos cirúrgicos deverão ser empregados em último caso ou em casos de gravidade acentuada, já que não deixam de ser um trauma ao membro do cavalo.

O objetivo de aprumar e alinhar os membros do cavalo não é apenas estético e preventivo de problemas ortopédicos, mas também serve para evitar perdas de tempo durante as corridas devidas á locomoção inadequada. Todos os desvios levam a perda de décimos de segundo, os quais poderão ser preciosos para a decisão de uma prova.

Dr. Francisco Lança



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